Trechos
Clóvis: De certa maneira, essa potência oscila. Por exemplo, quando acordo de manhã, muitas vezes estou indisposto e sem nenhum tesão para a vida. Eu, que moro em São Paulo, saio de casa às seis e meia da manhã, um horário sem trânsito, e gosto das coisa que vou encontrando no caminho. Gosto do meu bairro. Durante todo o meu trajeto em direção à cidade Universitária, onde dou aulas, observo tudo o que me rodeia, tudo o que vai acontecendo, e sinto que melhora o meu estado vital, a minha energia vital. Já na Cidade Universitária, com seus grandes espaços, com suas grandes áreas, encontro-me com os alunos e começo a aula. Por volta das dez horas da manhã, estou em cima da mesa, gritando, cheio de entusiasmo (eu gosto muito do que falo, e isso não é arrogância, mas condição de bem viver. O que posso fazer se me encanto com as coisas que falo ?")
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O que aconteceu entre cinto e dez da manhã? Houve um evidente ganho de potência de agir. É o que Espinosa chama de alegria, passagem para um estado mais potente do próprio ser. E o mundo que encontrei foi um mundo alegrador. Determinou em mim um ganho de potência de agir. É claro que as coisas nem sempre continuam dessa maneira. Pode vir uma secretária enlouquecida me dizer que eu grito muito, que estou atrapalhando os outros professores, e minha potência de agir despenca. A isso chamamos de tristeza. Assim vou prosseguindo, e o mundo ora me alegra, ora me entristece, dependendo de como ele faz oscilar essa minha potência de agir.
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Como Espinosa define esperança? É justamente um tipo particular de alegria. Não é uma alegria determinada por aquilo que encontramos no mundo, mas uma alegria determinada pelo que imaginamos dele. Espinosa chama essa esperança de paixão triste. E por quê? Porque, quando nos perdemos entre a esperança e o temor, que é a perda da potência determinada por um conteúdo de consciência, estamos perdendo a oportunidade de nos reconciliarmos com o real e de nos deixarmos alegrar ou entristecer. Então, de certa maneira, esse é o grande problema do indivíduo que não espera o mundo chegar com sua carga de alegria ou de tristeza e acaba, de um modo ou de outro, antecipando e vivendo aquilo que Espinosa chama de flutuação da alma.
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A ilusão moral do foco no resultado
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Cortella: Na minha experiência como aluno que fui do ensino fundamental (na minha época denominado primário e ginásio, depois alterado para primeiro grau), eu tinha muito mais alegria ética, ou seja, o sentimento de manter a honra, por tirar 5,0 em português sem colar do que os 9,5 em história por ter conseguido acessar a página de cópia do antigo mimeógafo à tinta esquecido na secretaria onde a professora havia imprimido as provas. Havia muito mais alegria em obter 5,5 numa prova de matemática para a qual eu havia estudado no dia anterior - nota, portanto, advinda de esforço -, do que obter 7,0 ou ,0 copiando de um colega. Evidentemente que, embora em ambas as situações os resultados fossem diferentes, o resultado da cola aparecia como aquilo que hoje se deseja, que é o dar certo a qualquer custo. Portanto, foco no resultado. Ao passo que o outro resultado é o da alegria ética de não se envergonhar, de poder contar abertamente como aquela nota foi alcançada...
Qual é o resultado que torna justo o caminho?
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Clóvis: ...a reflexão sobre idealidades deve ser entendida sempre como norte, mas jamais como uma condição de possibilidade teórica.
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